
O Arcano 2
A figura representa uma mulher trajando a vestimenta de sacerdotisa, sentada em um trono estranho. Ela está imóvel, é calma, inescrutável, misteriosa e majestosa. É a suma sacerdotisa do templo e guardiã dos seus mistérios. Ela usa uma tiara orlada por dois aros dourados e que termina com uma lua crescente no alto. A lua crescente significa que esta imagem representa um estado passivo, feminino-receptivo em que o homem volta todo o seu interesse e receptividade simultaneamente para dois planos: para este mundo e para o outro. Esses dois planos, esses dois mundos, também são simbolizados pelos dois aros dourados da tiara.
Parte do rosto da grande sacerdotisa está oculto por um véu branco. Isso prova que de modo algum ela revela toda a sua natureza. Seu vestido é longo, justo e azul. Azul indica que no âmago do seu ser ela está repleta da fé pura em Deus, do altruísmo e do amor pela humanidade. Sobre essa roupa, ela usa uma capa vermelha orlada de amarelo. Vermelho mostra a espiritualidade que ela manifesta exteriormente no mundo da matéria. Ao fazê-lo, ela oculta de olhos inquisitivos o âmago do seu ser amoroso simbolizado pela cor azul. A borda amarela do traje significa a razão, que ela demonstra através da linguagem e da escrita. Essa capa está presa ao seu corpo por duas faixas largas em que estão algumas cruzes pequenas. Estas por sua vez significam os relacionamentos íntimos da sacerdotisa, tanto com o reino do espírito quanto com o reino da matéria.
Na mão direita ela segura um livro entreaberto que contém, mas ainda não revela os mistérios dos dois mundos, o aquém e o além. Na capa do livro há um símbolo chinês, a divindade repousando em si mesma, Yang e Yin, na qual os dois pólos ainda permanecem na unidade de Deus. Só ao se manifestarem, esses dois mundos, o material exterior e o espiritual interior, são ostensivamente separados um do outro. Na realidade interior eles sempre pertenceram um ao outro, possivelmente não existiriam um sem o outro. Pois é na tensão que existe entre eles no mundo material que toda a Criação se fundamenta.
Na mão esquerda ela segura duas chaves. São as chaves para este mundo e para o próximo. Ela tem acesso a ambos, ela pode fechar ou abrir os portais, entrar ou sair conforme a sua vontade. Contudo, ela não revela os mistérios desses mundos a pessoas imaturas.
Ela está sentada em um trono. De cada lado do encosto do trono há duas grandes colunas. As próprias cores acima das colunas revelam que a coluna à direita é fogosa, masculino-espiritual e que a da esquerda é úmida, feminino-animalesca. Elas são as duas colunas do rei Salomão, Jakim e Boaz, sobre as quais ele edificou seu templo. Também são as duas pernas do Logos na Revelação. Um pé está em terra, o outro no mar. Esses dois pilares sustentam a tensão entre os dois pólos criadores, o positivo e o negativo, sobre os quais, segundo a Bíblia, repousa o princípio criador, o Logos, à medida que cria o universo. Entre os pilares há uma cortina, que corresponde ao véu da deusa egípcia Ísis. Na filosofia da religião hindu, essa cortina é o véu de maya. Esse véu encobre a verdade misteriosa e absoluta que repousa no inconsciente dos homens, a qual o homem imaturo ainda não pode e não deve ver. Os segredos do inconsciente continuam ocultos dos seus olhos, mas ele já suspeita das forças titânicas que atuam abaixo do nível de sua consciência. Ele acredita que os fenômenos que percebe não surgem do próprio inconsciente, mas do mundo exterior. Assim, ele começa a se preocupar com os fenômenos do ocultismo. Freqüenta reuniões espirituais onde, segundo sua crença, os "espíritos" dos que morreram manifestam sua presença e transmitem mensagens do além. Também comparece a outros círculos e associações que buscam estudar todos os tipos de "ciências ocultas". Portanto, transforma-se em um "buscador".
O chão sobre o qual está o trono da Grande Sacerdotisa é constituído por quadrados coloridos de pedra branca e preta, dispostos como os campos de um tabuleiro de xadrez. As pedras brancas simbolizam o mundo espiritual e invisível; as pretas, o mundo material visível. Tal como esses diversos quadrados estão misturados no chão da imagem, da mesma forma os dois mundos se mesclam na alma do homem que busca, embora ainda não se fundam. O homem já começa a se espiritualizar, mas ainda é terreno-material.
Os dois espaldares do trono, à direita e à esquerda, representam duas esfinges, uma branca e outra preta. Vê-se apenas a esfinge preta; a outra, branca, está invisível, coberta por uma parte do manto da sacerdotisa.
A esfinge é um estágio muito importante do caminho do auto-conhecimento. Sabe-se da mitologia grega, que as pessoas de Cadmus pediram auxílio a Édipo, lamentando-se em voz alta. Pediram que este as livrasse do monstro, a terrível esfinge sentada no alto do rochedo que olhava para a planície e empestava a atmosfera pura com seu hálito. Se não houvesse ajuda imediata, toda a população seria destruída, morrendo de uma morte horrível. Ela só poderia ser espantada por alguém que resolvesse o enigma que propunha. Todos os dias ela resmungava suas incompreensíveis palavras e engolia, sem piedade, cada um que tentasse resolver o enigma e não fosse capaz de fazê-lo.
Édipo perguntou qual era esse enigma, ao que as pessoas chorosas responderam: "A esfinge só diz isso: existe uma criatura que pela manhã anda sobre quatro pernas, ao meio-dia sobre duas e à noite anda por aí sobre três pernas. E quando anda sobre quatro, vai mais devagar. Diga-me, qual é essa criatura?" Édipo foi ter com a Esfinge e quando esta lhe propôs o enigma, ele respondeu: "É o próprio homem. No começo da vida, ainda criança, ele se arrasta de quatro, ao ficar crescido anda com duas pernas e quando fica velho anda com a ajuda de uma bengala". Com um grito terrível, a esfinge saltou do rochedo e desapareceu num piscar de olhos.
O enigma da esfinge, portanto, é o enigma de todo ser humano. E aqui, na figura, como espaldar do trono da Grande Sacerdotisa essa esfinge também significa o grande enigma dos homens - o auto-conhecimento.
O braço esquerdo da Grande Sacerdotisa repousa sobre a visível esfinge preta, e o direito sobre a ainda invisível esfinge branca. Toda a figura da Grande Sacerdotisa mostra o estado de alguém que acaba de despertar, de quem sentiu pela primeira vez a bruxuleante auto-consciência. Essa pessoa percebeu que também existe um "outro mundo" que pode ser encontrado além da sua consciência. Ela começa a se ocupar com o além e vai de uma sociedade dita "espiritual" a outra. Vai a todos os lugares onde existe uma possibilidade de solucionar o grande enigma do Ser.
Já compreende que não está na Terra exclusivamente para cumprir suas tarefas mundanas. Esses deveres mundanos também só são "seus" porque são exatamente estes e apenas estes que ajudam a alcançar o grande objetivo da sua vida: o auto-conhecimento. Qual seja esse grande objetivo ele ainda não sabe, mas sente que esta vida lhe deve alguma coisa, que tem de lhe dar algo de maravilhoso pelo qual esperou toda a vida. Isso deve ser a plenitude, a salvação. Ela ainda não reconhece bem que este objetivo nada mais é do que destruir o véu de maya, o véu das ilusões, desistir de todos os erros e descobrir o seu verdadeiro Eu, conhecê-lo e torná-lo perfeitamente consciente.
Do próprio ser, apenas conhece o lado terreno, consciente, seu ser aparente, o que ela não é, enquanto o seu ser espiritual verdadeiro repousa no inconsciente. Como não sabe onde procurá-lo, busca no além e naquilo que vem depois da morte. Ela quer saber para onde vão os que morrem, pois sabe que também terá de ir para lá. Mas a Grande Sacerdotisa, que conhece todos os mistérios, ainda não abre para ela a porta do além com sua grande chave. E mesmo assim, ela sente que por trás da cortina se esconde a solução do enigma, que encontrará toda a verdade. Assim sendo, não desiste da busca e continua. Aprende Filosofia e Psicologia, estuda as filosofias da religião de todos os países e se ocupa com todas as ciências espirituais. Ela torna-se um buscador sério ou um charlatão, é só uma questão de hierarquia. Pois, por trás das pesquisas do cientista, bem como por trás das brincadeiras infantis dos charlatães se oculta a mesma busca desesperada do homem pelo grande mistério divino do Ser eterno!
A carta da Grande Sacerdotisa tem o número 2 e a sua letra é Beth. O número 2 traz a divisão em si. Não existe unidade que possa conter o número 2. Mas se o número ainda assim se introduzir na unidade, isso significa cisão na unidade, uma queda, e para a alma humana, a morte. Na linguagem terrena, esse estado é representado pelo número 2 em todos os países do mundo: o desespero. Nesta figura esse número representa os dois mundos, aquém e além. Mundos que um buscador traz em si mesmo e que acarretam a sua divisão. Isso o atormenta e ele busca a solução, a "salvação". Por um lado, ele ainda pertence ao lado de cá, à vida material com suas alegrias e sofrimentos materiais; por outro lado, já se interessa pelo que está por trás dela; deseja saber para o que esta vida terrena é boa se no final há o abandono de tudo, e quais os valores que se pode levar junto ao morrer. E se é possível se levar algo ao morrer, para onde irão todos? Esse para onde lhe interessa, pois já descobriu que este mundo terreno é somente efeito, mas não a causa primordial. Este mundo não é uma realidade absoluta, trata-se apenas de uma aparência. Mas onde está a verdade absoluta, a causa, que é eterna e nunca acaba? Ele sabe que onde existe um efeito também tem de haver uma causa. E é a causa deste mundo que o homem quer descobrir.
Mas a Sacerdotisa não ergue a cortina que encobre o santuário, e deixa que o homem imaturo continue a procurar a verdade sozinho. Se ela revelasse ao homem o que é a verdade, este não aproveitaria a lição. Mas se ele mesmo procurar, encontrará a verdade na própria realidade - ele mesmo será essa verdade!
A letra Beth significa hieroglificamente a boca do homem. A Grande Sacerdotisa ainda mantém sua boca fechada. Ela ainda não revela nenhum dos seus segredos e, no entanto, permite que o homem sinta que eles existem, a fim de atraí-lo, fazendo com que se movimente, procurando-os. Ele os descobrirá!
A letra Beth representa o anjo da segunda hierarquia. É a segunda sephirah e corresponde à Chochmah, a inteligência teórica.
Interpretação Oculta
Segundo a tradição oculta, o Arcano 2 representa Deus em Aspecto Feminino.
Ao sair da Unidade, onde tudo se confunde (Arcano 1), chega-se ao domínio do Binário ou da distinção: é o átrio do Templo de Salomão, onde se erguem as duas colunas Jakim e Bohaz, entre as quais se acha, em seu trono, a Grande Sacerdotisa, a Papisa, perante um véu de tons brilhantes que oculta a entrada do Santuário.
Sua mão direita entreabre o Livro dos Segredos que ninguém pode ter acesso, se a Papisa não lhe confiar as chaves que ela segura na mão esquerda. Dessas chaves que abrem o interior das coisas (Esoterismo), uma é de ouro e se relaciona com o Sol (Verbo, Razão) e a outra é de prata, em afinidade com a Lua (Imaginação, Lucidez Intuitiva). Isto significa que é preciso aliar uma severa lógica a uma delicadíssima sensibilidade para aspirar a sondar as coisas ocultas, aquelas que a Natureza esconde ao conhecimento da maioria.
Quanto à cortina, que é preciso erguer para penetrar no recinto fechado, é a tela na qual se projetam as imagens vivas do pensamento. Essas imagens fascinam o visionário que se apega a ler na luz astral tal como as pitonisas.
O verdadeiro Iniciado não se detém nessas pequenas distrações do limiar, que são para ele apenas "bagatelas de porta". Se ele se mostra digno, a Grande Sacerdotisa afastará em seu favor o segundo véu, a fim de lhe permitir ler em seu rosto e, sobretudo, em seus olhos. O confidente da Deusa não será vítima de nenhuma miragem, porque ele possuirá o segredo das coisas, pelo fato de ser justo.
Este arcano, de modo sintético, encerra as idéias que se seguem:
- conhecimentos sacerdotais e intuitivos;
- metafísica intuitiva;
- fé racional;
- poder intuitivo e de prever o futuro;
- o Espírito penetrando o mistério;
- o Verbo ou palavra criadora;
- o Pensamento, ato do qual nascem as idéias.
Beth originou-se de um símbolo hieroglífico que estava ligado ao Tabernáculo do Espírito, e à Boca, órgão pelo qual se manifesta a palavra que é, por sua vez, a manifestação das idéias. À idéia de Boca se relacionam todos os conceitos que expressam núcleos, templos, santuários, taça, sacrário, segredo, mistério, ciência.
Esta letra simboliza também as antíteses a que está exposta a vida humana, como Bem e Mal, Luz e Sombras; ela está sob a regência da Lua.
Este Arcano Dois, no Mundo Divino, é expresso pela Divina Mãe, a Taça da Suprema Essência Divina.
É a Essência Única que se manifesta em seu duplo aspecto de Luz e Fogo, Fohat e Kundalini, em tudo e em todos penetrando, transformando, velando e libertando.
Interpretações Adivinhatórias
Chochmah, a Sabedoria, o Pensamento Criador, o Verbo, segunda pessoa da Trindade, Ísis, a Natureza, esposa de Deus e Mãe de todas as coisas.
A Substância que enche o espaço ilimitado; o campo de ação da causa ativa e inteligente. A oposição fecunda, da qual tudo se gera. A diferenciação que permite distinguir, perceber, logo conhecer e saber.
A Ciência Sagrada, cujo objeto não cai sob os sentidos.
Adivinhação, Filosofia Intuitiva, Gnose, discernimento do mistério. Religião espontânea, Fé contemplativa.
Silêncio, discrição, reserva, meditação. Modéstia, paciência, resignação, piedade, respeito às coisas santas. Na polaridade oposta: dissimulação, "segundas intenções", rancor, inércia, preguiça, intolerância, fanatismo.
Influência de Saturno, passiva.
Versão para imprimir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário